domingo, 27 de novembro de 2011

Dois poetas, dois poemas

Como vocês sabem, o blog recebe de braços e olhos abertos contribuições tanto de textos críticos como de criação literária. E volta e meia chegam coisas sensacionais para nós, seja pelo email do blog, seja diretamente para o email das editoras. Acontece também de a gente receber textos de poetas e amigos e gostarmos tanto que pedimos para publicar aqui. E é esse o caso dos poemas que vocês vão ler agora, dois ótimos textos que recebemos recentemente, de dois poetas já conhecidos por aqui. Esperamos que vocês curtam como nós curtimos. Não acontece sempre, mas é sempre bom abrir a caixa de entrada e dar de cara com textos como esses. 



Revelação em branco e preto
Anderson Pires

Para Heitor Magaldi.

Se o amor fosse exata aritmética
Cálculo perfeito
Sustentado na respiração hesitante
Excitante
Da mulher conquistada

O engenheiro calcularia as probabilidades
Do invariável sentimento
Até formular a equação
Um ama
Outro se deixa amar

Por esse teorema mereceria mais
Além do Nobel
Todo ouro e diamante 
Se não fosse ele 
O elemento inconstante

Tudo o que deseja te habita
Mesmo irresponsável pelo o que cativas.


Anderson Pires nasceu em Angra dos Reis, RJ, em 1972. Formou-se em Letras pela UFJF e doutorou-se em Literatura pela PUC-Rio. Durante o ano de 2000, publicou a novela Los Paranóias no fanzine URGH!, em Juiz de Fora e participou da antologia Livro de Sete Faces. Publicou em 2009 o livro Mário & Oswald: uma história privada do modernismo (7 Letras) e em 2010 o folhetim de horror Malditos no blog Signo de Plutão. É professor de Literatura no CES-JF. 

___


vida e morte de torquato neto*
André Monteiro

escorpião, veneno delicado
traços ternos e tesos de guerreiro apaixonado
escorpião, água de entranha
seu segredo sua ferida saída
precisa sina de anjo torto
negra solidão do cosmos
não se trai em sua própria traição
todo dia é dia D
amar-te amor-te morrer
entre hades e ares
o arco aflito do corpo fala com o fogo e o frio na língua
e não encontra palavra
escorpião:
o fim é o início da linha da mão

escorpião é o signo de minha mãe
minha mãe é o signo de escorpião
o signo é o escorpião de toda vida
a vida é o escorpião de todo signo

* ...09 de novembro de 1944 & 10 de novembro de 1972...

André Monteiro nasceu em São João Del Rei, Minas Gerais e é pós-doutor em literatura pela PUC-Rio e professor de Literatura Brasileira na UFJF. Publicou A ruptura do escorpião: Torquato Neto e o mito da marginalidade (2000) e Ossos do ócio (2001), ambos pela Editora Cone Sul. Participou ainda como co-autor dos livros Antologia Massa-Nova (Fortaleza), Caos Portátil (México) e Livro de Sete Faces (Juiz de Fora).

__

E seus textos também podem aparecer aqui!
Manda pra gente: geleiageral001@gmail.com

domingo, 20 de novembro de 2011

Lançamento e sorteio de "Arqueologias do olhar", de Frederico Spada Silva

Essa semana mais um livro de estreia de um jovem e talentoso poeta será colocado no mundo literário. É o Arqueologias do olhar (FUNALFA, 2011), do Frederico Spada Silva (que já esteve por aqui). Abaixo você confere o convite de lançamento:



O que falaram sobre Arqueologias do olhar?

Agindo como um homem que escava, assim se inaugura na poesia Frederico Spada: suas imagens legitimam, na densidade como se tecem, a escavação da calma, dos sonhos, da palavra e do existir. O lançamento de Arqueologias do olhar traz à literatura brasileira contemporânea o projeto poético de um jovem constantemente inquieto com a existência e precocemente apaixonado pelas tramas da linguagem. Ao mesmo tempo em que Frederico Spada mostra-se ávido por inserir-se no ritmo das pulsações da contemporaneidade, sua índole poética recusa-se a deixar-se tragar pelos modismos proliferantes, o que confere à sua produção poética um caráter peculiar: sua arqueologia consiste também na escavação de uma convergência – trata-se da convergência entre a tradição e a vanguarda, entre o popular e o erudito, ou seja, sua poesia consubstancia-se como um palimpsesto de vozes.” (Helena Maria Rodrigues Gonçalves)

E como o Fred já é de casa, adiantou para o Geleia Geral três dos poemas que estarão no livro, confira!


DESCOBRIMENTO DA CARNE

Feito oceano de mistérios e segredos
tua boca de procelas
me inunda de carícias:
içar velas,
navegar teu corpo,
fincar bandeira
em teu colo –
terra estrangeira.

__________


A GRANDE TRAVESSIA

Dentro do frio
rio.

________


(A Manoel de Barros)

Máquinas de escrever
desescrevem o silêncio.
__________


Curtiu os poemas? Quer um livro? Bom, você pode concorrer aqui a um exemplar grátis e autografado de Arqueologias do olhar, que será enviado para o conforto do seu lar! 
 
Como? Muuuuito fácil! você deve seguir apenas 2 passos:

1) Curtir a página do Geléia Geral no Facebook (clica aqui)

2) Compartilhar no seu perfil do Facebook (é só copiar, colar e publicar) a seguinte frase: “Eu curto o Geléia Geral #001 e quero ganhar um exemplar de 'Arqueologias do olhar', de Frederico Spada Silva http://bit.ly/sZT6mq”

No dia 25/11, às 16h, faremos o sorteio e divulgaremos o resultado. Todo mundo que curtir a página do Geléia Geral no Facebook e publicar o texto indicado em seu perfil (tem que fazer as duas coisas, ok?) durante esse período está concorrendo! Entraremos em contato com o vencedor via mensagem no Facebook. 
Boa sorte ;) 


Update:

Sorteio realizado! Fizemos pelo random,org, atribuindo a cada participante um número de acordo com a ordem. O primeiro a curtir a página e publicar a frase foi o número 1, o segundo foi o número 2 etc. O número sorteado foi o 3, correspondente à participação da Silvana Cruz. Parabéns, Silvana! Vamos entrar em contato com você para que possamos enviar seu livro :)



E para quem não ganhou, duas dicas: 1) O livro do Fred Spada pode ser comprado pelo email arqueologiasdoolhar@gmail.com; 2) Semana que vem tem mais sorteio... e sortearemos DOIS livros, fiquem ligados.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

breve tipologia para um romance naturalista

André Monteiro

usa chapéu porque deseja parecer poeta, ou pintor francês, ou cineasta italiano, ou porque leu, ou nem leu, gilles deleuze e deseja ser gilles deleuze. gosta mais de frio do que de calor porque no frio pode se sentir mais europeu e não apenas beber, mas, principalmente, falar com suposta propriedade, tal como um animal refinado, sobre todos os vinhos do mundo. acha bonito ser um jovem de classe média blasé e se masturbar com rock inglês num sábado de tarde nublada. num piscar de olhos, acha que pode se livrar de todos os vícios e dicotomias ocidentais porque leu, ou nem leu, o santo nietzsche. facilmente confunde transgressão com grosseria. faz dança e anda por aí como quem faz dança. beija e abraça todo mundo como quem acredita (ou quer parecer que acredita) que abraçar e beijar todo mundo é ter o corpo livre. todo mundo não, bem entendido, só os mudernos, os que não são mudernos finge que não vê. fala mole, tal como o afetado do avô bicho grilo fala mole, tal como se ninguém tivesse que pagar a conta da sua velha boutique neo-hippie. fala mole e arrastado tal como se o mundo fosse mole e arrastado. goza com o pau dos outros sem a menor cerimônia. acredita que para ficar nu basta tirar a roupa e que ser um artista do corpo é produzir o escândalo do corpo e tratar o público como um débil mental que se choca, se chocaria, com excrementos aureolados. nem desconfia que qualquer picareta, alpinista social travestido de artista, se sacraliza com a estátua da própria pica, ao roçar, na hora certa, curadorias de merda. acha bonito beijar seus amigos na boca na frente de todo mundo. certamente, não fica à vontade em sua enorme preocupação de ser visto como uma pessoa super à vontade. talvez não passe de uma vida amassada e pisada pelos padrões escolásticos da indústria cultural odara. talvez não saiba que existem padrões escolásticos da indústria cultural odara. acha que é possível viver  uma relação aberta e não ter ciúmes de nada ou ninguém, nem sentimento de posse sobre qualquer coisa no mundo, a não ser, obviamente, sobre suas receitas psiquiátricas de anti-depressivos e indutores de sono. acha que é um antropófago só porque mistura meleca com baião e guitarra elétrica com arrotos de oswald de andrade. se acha poeta porque escreve coisas muito difíceis e enfadonhas, como a maioria das coisas que são vendidas por aí como poesia séria. aprendeu a lição. vai dormir como um poeta. acordar como um poeta. tomar banho como um poeta. se masturbar como um poeta. cagar como um poeta e adorar ser chamado de poeta pelo porteiro do seu prédio, que nunca leu seus “poemas”, mas viu sua foto no jornal. acha que basta ler baudelaire para perder a risível auréola. não conversa em mesa de bar. dá entrevistas, ou, de preferência, faz palestras transdisciplinares. não faz mais diferença entre esquerda e direita e viaja tranquilamente no dia das eleições. acha que todos os discursos politicamente corretos são corretos. como a maioria dos amigos politicamente corretos, defende as minorias porque a maioria dos amigos politicamente corretos se consideram minorias. acredita que a margem é a margem e o centro é o centro. acredita em papai noel. acha que tudo o que é natural é bom e nem desconfia que tudo o que chama de natureza não passa de um engodo cultural que lhe foi ensinado pelos escoteiros da ecologia. acha que vai salvar a floresta amazônica votando em candidatos do partido verde patrocinados pela natura. acha que é possível gostar de literatura e não gostar de política literária. acha bonito ter amigos artistas e contar isso pros amigos não artistas. apóia todos os projetos de incentivo à leitura e fruição das artes. acha que ler nunca faz mal à saúde. acha que é filósofo porque se formou em filosofia. há muitos séculos confunde inteligência com erudição. está morto e não sabe e, talvez, nem lhe interessa saber. interessa, certamente, aos urubus famintos que, como eu, já não podem apenas rir da falta (de carne e sangue) que cobre esses velhos ossos ilustrados pelos fins do século XXI.


André Monteiro nasceu em São João Del Rei, Minas Gerais e é pós-doutor em literatura pela PUC-Rio e professor de Literatura Brasileira na UFJF. Publicou A ruptura do escorpião: Torquato Neto e o mito da marginalidade (2000) e Ossos do ócio (2001), ambos pela Editora Cone Sul. Participou ainda como co-autor dos livros Antologia Massa-Nova (Fortaleza), Caos Portátil (México) e Livro de Sete Faces (Juiz de Fora).