Pois foi isso que Carol Bensimon fez em Sinuca embaixo d’água (Companhia das Letras, 2009). Ao colocar o início da narrativa após o acidente de carro que mata Antônia, a autora tirou de cena a personagem ao redor da qual gira a trama do livro, construindo justamente nesse vazio uma bela história sobre perda e ausência.
Já foi dito por aí que algumas das maiores dificuldades na construção de um bom romance estão em a) criar personagens que sejam de fato humanos, verossímeis e convincentes; b) fazer uma boa opção de narrador. A escolha do foco narrativo múltiplo de Sinuca embaixo d’água é acertadíssima. Porque se uma história sobre perda bem contada por um narrador já é interessante

Outra característica marcante de Sinuca embaixo d’água são as descrições, bastante minuciosas, e que mais que apenas descrever, também atuam como indícios do estado psicológico dos personagens. Bernardo, por exemplo, talvez um dos mais afetados pela morte da amiga, se preocupa com todos os detalhes de cada cena que presencia, colocando em cada objeto significados que sempre acabam por estar ligados á sua história pessoal com Antônia e que, inevitavelmente, o fazem pensar na morte da amiga:
As referências também são parte importante do romance e chama atenção o modo como são espalhadas pelo livro, nunca forçadas, se encaixando naturalmente na narrativa. Sem contar que é especialmente emblemático, principalmente para quem cresceu na década de 90, escutando o Use your Illusion e torcendo para o clip de "Patience" passar na MTV (é, era assim, nao tinha Youtube) ver um personagem falando sobre a indumentária peculiar (leia-se o short com a bandeira dos EUA) de Axl Rose. Mas talvez a passagem que melhor ilustre a maneira como as referências aparecem bem entrelaçadas com a narrativa, seja a que aparece em um dos capítulos iniciais, esse narrado por Camilo, o irmão de Antônia:
Ah, entendo, mas é claro que entendo perfeitamente. Não é legal ser visto num bar quando sua irmã morreu só há dois meses, porque, além de esperarem que você fique chorando trancado no quarto, também desaprovam o fato de você estar cercado de álcool, logo quando uma das desconfianças que as pessoas têm é de que ela estava tão bêbada que não pôde evitar sair voando ladeira abaixo e acabar esborrachada num poste. Mas eu fico em silêncio. Tudo bem com você? Tudo legal. Pearl Jam com os baixos estourando. Is something wrong, she said. Well of course there is. You’re still alive, she said.
E talvez um dos pontos principais do romance, aquilo que mais intriga os personagens, principalmente Camilo e Bernardo, possa ser encontrado justamente nos versos seguintes de "Alive" : Oh and i do deserve to be? / is that the question? / And if so, if so / Who answers? Who answers? Mas a morte e a vida não têm nada a ver com merecimento, e se essa é realmente a questão, não há ninguém para respondê-la. A única resposta possível é a ausência de resposta e a única opção, como os personagens vão aprender duramente ao longo do romance, é viver. Apesar de.
Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou contos no Zero Hora e nas revistas Ficções e Bravo!, entre outros periódicos. É mestre em Escrita Criativa pela PUC-RS, e atualmente mora em Paris, onde cursa o doutorado na Université Sorbonne Nouvelle, na área da Literatura Comparada. Publicou Pó de parede (Não Editora, 2008) e Sinuca embaixo d’água (Companhia das Letras, 2009).
*
Leia aqui o primeiro capítulo de Sinuca embaixo d'água.