A trivialidade do vazio em Nada me faltará, de Lourenço Mutarelli.

Mas talvez ambigüidade, a palavra usada por Eco, não seja exatamente a melhor definição do que acontece em Nada me faltará (Companhia das Letras, 2010), de Lourenço Mutarelli. Mais que a dúvida, é a absoluta falta de respostas, detalhes e maiores explicações que marca grande parte da narrativa.
Estruturado apenas na forma diálogos, a linha que comanda todo o livro é o mistério em torno de Paulo, um homem que simplesmente desaparece com a mulher e a filha e ressurge um ano depois, sozinho, sem memória e sem idéia do que possa ter acontecido durante esse intervalo de tempo. Ninguém sabe o que houve com Paulo durante todo esse tempo, onde está o resto de sua família e porque ele não se lembra de nada. Mas a pergunta mais intrigante, que vai guiar grande parte da tensão do livro é: por que Paulo parece simplesmente não se importar com tudo isso?
Entretanto, se por um lado existe o vazio de detalhes – do cenário, por exemplo, ou da própria trama –, os personagens são fortemente marcados e delineados através dos diálogos, sempre muito verossímeis, bem próximos do cotidiano, superando uma dificuldade comum a vários escritores, a de naturalizar o discurso direto. Nenhum traço de artificialismo mancha a escrita de Mutarelli, o que pode inclusive ser percebido também em um de seus livros anteriores, A arte de produzir efeito sem causa (2008), no qual uma história que tem contornos bastante surreais – pacotes misteriosos enviados por ninguém, códigos estapafúrdios e de resolução impossível e a participação mais que especial de William Burroughs – é narrada de modo a reproduzir perfeitamente o comum, o ordinário.

Bã. Li esse livro inteiro na Livraria Cultura e não tinha visto resenha até então. Ótimo livro
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