domingo, 12 de julho de 2009

Sérgio Sant’Anna e o texto tatuado

Mesmo com a polêmica que circundou a iniciativa, o projeto Amores Expressos sobreviveu e os livros – escritos por diferentes autores que passaram um mês nos mais distintos lugares do planeta – estão sendo aos poucos lançados.
O primeiro foi Cordilheira, de Daniel Galera, sobre o qual inclusive já escrevi por aqui. Depois veio O filho da mãe, de Bernardo Carvalho e tudo indica que o próximo será O texto tatuado, de Sérgio Sant’Anna, que teve um capítulo publicado na Granta BR número 4 e do qual transcrevo aqui um trecho:

Eu estava sentado numa mesa de fundos do bar A dançarina. Gostava de observar as pessoas na penumbra e achava bonito e misterioso como as luzes multicores do letreiro e da figura da dançarina da fachada incidiam indiretamente no interior do bar. A dançarina parecia ter sido inspirada numa espanhola, ou numa cigana, ou uma mistura disso, ou nada disso. O ritmo de seus movimentos era sincopado, regularmente ela aparecia com a saia esvoaçante deixando ver suas coxas, admiráveis, azuladas, vermelhas, prateadas...
O rapaz se aproximou tão sorrateiramente de minha mesa que foi como um espectro surgindo de lugar nenhum. Era elegante de corpo, magro, algo pálido, sinuoso, bonito, embora seus cabelos amarrados num rabo de cavalo já correspondessem a um modelo antigo. Mas era o tipo de jovem que teria a seus pés as garotas mais interessantes, ou velhos depravados. Ou os deuses a seu serviço, se quisesse escrever poesia. Também poderia deslizar por um palco, fazendo o papel que pedissem dele, até mesmo o de Hamlet, sem solenidade, sem deixar de ser ele mesmo. Ou vagar pelas ruas mais tortuosas de Praga, ou pelas margens do rio, para conseguir drogas a qualquer custo.
Sim, eu adivinhava seus braços roxos sob as mangas compridas de uma camisa de cor verde clara, que parecia caminhar para cor alguma, ajustada a seu corpo e enfiada para dentro da calça larga, amarrada por um cordão grosso.
Meu coração bateu mais forte e empalideci, porque li no jovem o seu futuro. Seria mais um, desde muitos séculos, a atirar-se nas águas do Vlatava, sem ter medo, já indiferente, de certa forma já morto antes do salto.
Do mesmo jeito que, agora, não parecia desesperado, quando me disse, em inglês:
– Por Deus, não me mande embora antes de ouvir o que tenho a lhe propor.
– Não estou interessado em nada – eu disse.
– Nem mesmo fragmentos de um texto desconhecido de K., tatuados no corpo de minha irmã gêmea nua?

Tem mais coisa na revista, mas ficaria inviável publicar aqui, é um capítulo grande. Esse é a passagem inicial. Por enquanto o que dá para perceber é que Sant’Anna parece continuar seguindo os rumos da metaficção: o narrador/protagonista se chama Serge e é um escritor. E, pelo jeito, o romance é justamente sobre literatura. E o resto é esperar para ler.
*

6 comentários:

  1. Conheço pouca coisa do Sérgio Sant'Anna (esse pouco graças a você, claro lol), mas estou me apaixonando aos poucos. Esse trecho deixa um gostinho de quero mais... agora vou esperar ansiosa por esse livro.

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  2. ansiosa por esse livro [2]

    Tem SEIS ANOS que ele não lança nada =/
    Preguiçoso lol

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  3. o amor e o ódio de Laura por Sérgio. LOL
    não odeio mais o Saramago porque ele vem me visitar e ainda vai trazer livro novo. ^^

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Estou ansioso por esse novo livro do Sergio. Ele parece ser a promessa do " amores expressos" ja que o Bernardo Carvalho lançou um livro meio fraco.
    Pelo trecho da para aumentar a expectativa!

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  6. Que não morre de uma boa leitura deve prevalecer sempre, eu sou um solitário, e muito menos anti-social, mas eu gostaria de ler mais para lidar com as pessoas, eu costumo sempre a mesma biblioteca para ler eu me sento em uma cadeira que está muito perto da janela e ficar lá por horas.

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