domingo, 26 de junho de 2011

Ego

Hoje em dia todo mundo quer ser poeta, como já disse uma música qualquer aí. Escrever é bem mais que simplesmente escrever, tem de haver verdade e sentimento. Noutro momento vai-se em busca de técnica, de identidade e linguagens. Em tantos anos fazendo isso, acredito que eu encontrei sim meu modo e meu ritmo. Mas das coisas que a escrita me proporcionou, a melhor e maior das conquistas foi o autoconhecimento e o “descarrego” daquilo que pesa. Poesia deve ser exatamente isso: peso. Engano pensar que todo peso é ruim, levezas também pesam, porque somos inconstantes e cansamos sempre. Num texto despretensioso, totalmente fora daquilo que costumo fazer, o meu encontro comigo mesmo, essencial para prosseguir me encarando nos textos meus textos mais crus. Este nasceu quando não mais achei necessário “escrever bonito”, é só fluidez. Um passo a mais.


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Eu tenho me apaixonado todos os dias. E todos os dias são diferentes. Eu não ligo mais se é platônico, irreal, distante, improvável, unilateral. Eu me apaixono mesmo assim, vou sem medo, a paixão é só minha. É pura diversão sentir tudo em mim num reboliço gostoso irremediável. Dia desses eu me apaixonei por uma foto e passei toda a tarde gelada amando aquela imagem e refazendo-a em detalhes na minha mente, sentindo cada traço. Foi bonito.
Outro dia foi no ponto de ônibus durante o horário mais detestável. Toda aquela multidão saindo do serviço às 6 da tarde, aflita por um banho, para não perder a novela, para tomarem uma cerveja no bar da esquina. Todos aqueles rostos cansados se amontoando na calçada, reclamando da demora e da lotação. Aqueles semblantes pesados, pouco simpáticos… algumas moças falando demais, alto demais, assuntos confidenciais que eu jamais gostaria de ouvir; outros homens com uniformes sujos pela graxa da usina; as secretárias com sua roupa social de corte pouco nobre desproporcional à postura que adotam e ao tamanho do salto que calçam; os estudantes reunidos em grupo se sentido seguros para rir de tudo aquilo ao redor.
Eu ali parado, meio atordoado com tanta imagem, tanto som, tanta informação, desconcentrado de tudo,  mas atento a todos. De repente um ônibus passa rápido, ninguém deu sinal, ele não parou, mas por um ou dois segundos eu me apaixonei por aquela face, aqueles cabelos que mal pude compreender a cor, os lábios rosados, pele alva, olhos morenos. Eu me apaixonei. Eu quis sentir o cheiro, experimentar do gosto, decifrar os olhos, desvendar os segredos, saber dos amores, da vida. Que nome será que tem? E os filmes preferidos? Prefere esmaltes claros ou escuros? Será que ouve bandas legais? Desejaria a mim como a desejei? Ah, tudo em mim borbulhava e a minha razão se embaraçava com os doces desvarios. Leve. Fluido. Estive apaixonado até adormecer. Passou.
Num sábado de manhã escutei uma música que há muito conhecia, mas a danada nunca tinha me provocado daquele jeito. Entrei em grave estado voluptuoso. Lascivo e pouco são, estava apaixonado no sétimo dia da semana. Sábados sempre tão promissores e eu naquela onda louca, na sede, na urgência… ah, foi intenso! Passou.
Durante a semana, num dia bem insosso, provavelmente uma segunda-feira, levantei-me com o sol já quase a pino e me aconteceu a paixão mais improvável, bizarra e até mesmo engraçada.
No caminho para o banheiro encontrei-me com o espelho e resolvi parar ali, coisa completamente fora da minha rotina. Olhei bem tudo em mim, os poros, a cara amassada, as olheiras e o cabelo todo atrapalhado. Falei baixinho “puta que pariu, que cabelo é esse, cara?” e segui para o banheiro com risinho debochado no canto dos lábios.
Comecei pensar em mim enquanto urinava. Abro um parêntese aqui para dizer que naquele dia falei muito, muito comigo mesmo. Pois então, estava lá eu em pé no banheiro saciando minha vontade fisiológica e soltei a segunda frase do dia: “acordou animado hoje, hein, meninão!?” Ri de mim mesmo, voltei-me para a pia, escova em mãos e dentes à mostra, mas adiei o ato para reparar um detalhe. “Hum, boca bonita, bem desenhada… deve beijar muito bem”, e em seguida me mordisquei. — Mas que patético! — logo pensei em voz alta.
Tentei seguir minhas ações metódicas de todos os dias, até que na hora de usar o perfume percebi que o cheiro era muito bom, e eu inteiro tinha aquele cheiro. Vi minha prateleira de livros e percebi que eu tinha um puta bom gosto, as bandas que eu ouvia eram fodas, sabia cozinhar bem e meu português não era nada decepcionante. Puta que pariu, me apaixonei por mim mesmo! Desejei-me nas mais diversas formas e, por incrível que pareça, dessa vez era recíproco no sentimento e na intensidade do sentimento. Foi um dia inteiro de amor insano, risos, paixão aguda, quente, despudorada e transcendente. Fiz de tudo para me agradar, para não me perder, para me conquistar, me causar uma boa impressão. A melhor roupa, a melhor comida, as melhores músicas, a melhor cerveja e os assuntos mais empolgantes.
Foi perfeito, foi revelador. Alucinante! A maior das paixões, a mais memorável! Mas percebi que não poderia pra viver aquilo todo dia, pois havia muita vida acontecendo do lado de fora. Tenho tentado aprender como funciona essa tal de vida, até me divirto com ela às vezes. Contudo, nunca vou esquecer daquele dia. Sei onde me encontro, peguei meu número de telefone e me ligo sim. Porque sou boa companhia, sou diversão. Dessa paixão eu nunca mais acordei. Estou com Manoel de Barros quando ele diz “quero apalpar meu ego até gozar em mim”. E quero mesmo. É um relacionamento aberto, mas respeitoso. Tem alguma putaria, mas também rola a compreensão.

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Darlan Augusto Costa, mas Augusto é sobrenome, deixemos claro. Escrevo torto porque floreios não ornam bem com o ar poluído de Volta Redonda. No Palavras Oblíquas dou espaço para experimentações e espelhos, às vezes pesados demais pros meus 22 anos.

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