sábado, 5 de setembro de 2009

Muito além do oeste

Zumbis, tiros e metanarrativa marcam o primeiro romance de Antônio Xerxenesky


“Consciência e metaficção são sinônimos”, escreveu Daniel Galera em seu Twitter há uns dias atrás. E essa constatação do escritor paulista aponta para uma característica bastante recorrente na produção literária contemporânea. Se por um lado brotam por aí livros que nada mais apresentam do que a cópia da cópia do que já foi escrito há décadas atrás, por outro lado surgem outros que procuram escapar de caminhos já exaustivamente trilhados na literatura. E muitas dessas obras têm encontrado percurso alternativo na metaficção, se estruturando sobre seus mecanismos ficcionais e fazendo da construção do texto a própria matéria da narrativa
Mas a metanarrativa também não é aposta certa, pois essa estratégia, por si só, não garante qualidade nem originalidade. É necessário, além do bom uso da metaficção, uma boa história a ser contada. E são justamente esses dois pontos os grandes acertos de Areia nos dentes (Não Editora, 2008).
Classificar o romance de estréia do gaúcho Antônio Xerxenesky não é tarefa das mais fáceis. A primeira definição que talvez possa saltar à vista – um faroeste com zumbis – é simplista demais para descrever a empreitada assumida pelo autor. É um faroeste? Sem dúvidas. Tem zumbis? Sim. Armas, tiros, mortes? Também. Mas Areia nos dentes vai além.
Em linhas gerais, o livro conta a história da rivalidade entre os Ramirez e os Marlowes, habitantes da cidade de Mavrak, e é permeado por todo o ódio e intriga típicos de tramas sobre disputas de clãs. E, uma vez que a história é um faroeste, claro que não poderiam faltar armas, tiros, chapéus, índios, um saloon e outros clichês inerentes ao tema. Mas o tour de force do romance está na história paralela: um homem que escreve justamente sobre esse confronto entre as duas famílias, em um texto que, assumindo sua própria condição de ficção, narra não só a história dos Marlowe e dos Ramirez, mas também as etapas e dificuldades da construção dessa narrativa, desde a dúvida de como iniciar o relato, até o vírus que invade o computador do narrador-personagem. E, além da ascendência desse narrador – revelada aos poucos ao longo do livro –, há outro traço que o liga aos personagens de Mavrak: os percalços das relações entre pai e filho, que são desenvolvidos no romance em perspectivas distintas.
Os recursos gráficos utilizados por Xerxenesky também são grandes acertos no livro, especialmente no capítulo que tem a estrutura de um texto de teatro – com rubricas como “[Samuel Marlowe cospe no chão]” e “[Juan vai ao banheiro vomitar]” – e na sequência na qual uma perseguição a cavalo divide a página em duas colunas, cada uma mostrando os pensamentos de um dos personagens envolvidos.
Xerxenesky encontrou na hibridização entre o faroeste da década de 60 e a metanarrativa que caracteriza parte da literatura pós-modernista, uma ótima maneira de contar uma história sobre um pai, um filho e alguns zumbis. Estranho, não? Mas em um momento no qual surgem tantos escritores que apenas repetem fórmulas já desgastadas e os prêmios literários – salvo raras exceções – coroam os mesmos autores de sempre, um romance esquisito e corajoso como o de Xerxenesky sem dúvida chama atenção. Classificar Areia nos dentes é difícil sim. Mas lê-lo é fácil, fácil. E bastante divertido também.
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Antônio Xerxenesky é um porto-alegrense nascido no fim de 1984. Publicou o livro de contos Entre (Fumproarte/Ed. Movimento) e outras narrativas curtas em antologias e revistas. Seu conto "O desvio" (que integra a antologia Ficção de polpa, vol. 1) foi adaptado para a tevê por Fernando Mantelli em 2007. Areia nos dentes é seu primeiro romance.

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Areia nos dentes
Antônio Xerxenesky
Não Editora
144 páginas
R$ 25,00

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(quer ler um capítulo do livro? clica aqui)
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3 comentários:

  1. Confesso que zumbis não me chamam a atenção, mas por algum motivo desconhecido (!) eu fiquei super curiosa para ler esse livro. |o|

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  2. Estou lendo o livro. Estou gostando. Como disse, ele não parece perseguir nenhuma fórmula, somente contar uma história de uma forma não usual (que consegue entreter), misturando técnicas, aplicando vozes narrativas diferentes, emoldurado por design impecável. Parabéns ao escritor e à não editora.

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  3. Alexandre Faria, professor nosso aqui da UFJF, me chamou atenção pra seguinte passagem da resenha:

    "Mas a metanarrativa também não é aposta certa, pois essa estratégia, por si só, não garante qualidade nem originalidade. É necessário, além do bom uso da metaficção, uma boa história a ser contada."

    Ele me perguntou: será que é mesmo necessário a história?

    Não sei, mas acho que não. No caso do Xerxenesky tem, mas existem sim narrativas metaficcionais que se constroem sem outras histórias que não a produção do texto.

    Valeu, Alexandre. =)

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