domingo, 23 de agosto de 2009

O timbre da verdade

Aqui no Geléia Geral, Anderson Pires já pode se considerar de casa. Ele já apareceu no blog em duas ocasiões distintas: em uma entrevista sobre o ECO Performances Poéticas – evento do qual é um dos organizadores – e também com uma reunião de quatro de seus poemas.

Para quem ainda não conhece a poesia do Anderson, fica aqui a dica: vale muito a pena conhecer. Ao contrário do que talvez poderia se esperar na literatura de um cara que é ligado à teoria – Anderson é doutor em Letras e professor da UFJF e do CES -, sua poesia é diretamente conectada ao mundo real.

Nunca abrindo mão de um lirismo quase cínico, talvez herdado de Manuel Bandeira ou, quem sabe, de Bob Dylan, os textos de Anderson podem ser lidos como uma espécie de reação ao caos. Ou como a atitude de alguém, que discordando com a direção para a qual vê todo mundo seguindo, simplesmente toma nas mãos o volante e faz uma curva de 180 graus, enquanto no rádio um rock dos anos 60 anuncia o fim do mundo no último volume.
O que está impresso nos versos livres de Anderson são as coisas que sabemos existem não porque alguém nos contou, mas porque as vemos todos os dias bem na nossa frente: da solidão dos centros urbanos ao rock & roll, passando pela lei antifumo e, claro, pelas idas e vindas do amor.

Dessa vez, Anderson nos enviou por e-mail esse lindíssimo “Noites brancas”. Não deixem de ler. E de reler. E de reler outras e outras vezes.




Noites brancas

Uma vez perdido na selva escura
No meio da vida – o caminho

Solitário
Sem sono e sem sonhos

Releio toda a minha contracultura

Maiakóvski sacou o lance antes de acontecer
E desde o início os inconformados partiram:
Suicídios
Overdoses
Doenças fatais sexualmente transmissíveis.

Acendo um cigarro
O funcionário do Ministério da Saúde aparece
Mostra por A mais B
Como tem gastado para tratar gente como eu
Mas nós dois sabemos: estamos mentindo
Ele me mostra o jornal do dia
È proibido fumar em São Paulo... E no Vaticano também!

4 de agosto de 2009
Juiz de Fora
Neblina e uma chuva fina

Os adúlteros fecham os portões sorrateiros
Os cães latem quando atravessam a rua

Os puritanos vigiam cada passo
Principalmente quando estão dormindo

E nós...
Ainda estaremos puros para amar
Não precisaremos confessar nossa culpa
Nem nos vangloriarmos de nossa honra
Pois não há nada no céu
Além de estrelas, satélites e seres desconhecidos.




*



Obs: O título desse post é uma referência a um verso de "Trovadores Elétricos", poema de Anderson Pires que você pode ler clicando aqui.

6 comentários:

  1. "Noites brancas" O poema é muito bom...as citações que há nele trazem tb. Dostoieviski, é claro, mas é um poema de hoje, urbano, conciso com a angústia dos nossos dias. Tudo é bem resolvido formalmente.

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  2. Eu sou fã dessas sacadas "rápidas e rasteiras" do Anderson. Tem um elemento pop nesta poesia, mas ao mesmo tempo estão lá as referência de quem tem consciência e linguagem, de quem leu muita coisa. Quando eu crescer que ser como esse cara.

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  3. Então, é isso que eu acho muito legal na poesia do Anderson,esse diálogo. Contracultura, Dostoieviski, Maiakóvski... e eu vejo até uma atmosfera meio Fernando Pessoa, talvez Álvaro de Campos, ali pelo meio do poema.

    E sempre escuto ao fundo, como se fosse a trilha sonora do poema, uma coisa meio rock & roll.

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  4. Eu também sempre ouço essa coisa rock'n roll nos poemas (genias) do Anderson, mas ainda não consegui identificar o porquê de ser assim.

    Quanto a ser igual a ele, eu também quero :)!

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  5. E sempre escuto ao fundo, como se fosse a trilha sonora do poema, uma coisa meio rock & roll. [2]
    Quando eu crescer que ser como esse cara. [2]

    desde a primeira vez que li um poema do Anderson que me apaixonei. foi ele "dinamitando os centros culturais". os diálogos existentes nos poemas dele são fantásticos e ele realmente consegue usar todo o seu embasamento teórico pra falar do cotidiano, o que é lindo.

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  6. Achei genial reler a própria contracultura. Gente, eu não conheço nada do Anderson, sério. Mas gostei muito desse poema, principalmente a pulsão que está na forma e por ser um poema fincado no seu tempo mas com gostinho de Álvaro de Campos, sim, eu tb vejo. E um rocão ao fundo tb...

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