domingo, 25 de outubro de 2009

A poesia dançando no segredo

Prosseguindo com as postagens sobre poetas de Juiz de Fora, trazemos hoje três poemas de André de Freitas Sobrinho (a.k.a André Capilé).
Para se ler a poesia de André, algumas coisas são necessárias. A primeira delas é, sem dúvida, um dicionário. Isso porque o poeta não se contenta apenas com a palavra em si mesma, nem com o significado óbvio dos vocábulos. Há sempre mais por detrás de seus versos, alternativas de leitura que transcendem a significação comum das palavras escolhidas, e que sempre podem potencializar a interpretação dos poemas.
É preciso também não perder a dimensão lírica (no seu sentido mais musical) da poesia, pois um traço forte da escrita de André é a melopéia. De acordo com Ezra Pound, existem três maneiras de "energizar" a linguagem poética, sendo o uso dos sons no texto poético uma delas. E em vários poemas de André é possível notar claramente o uso desse recurso, como em "qualquer nota" ("Vou, úvida uvalã, uivá-la a- / té o caroço; rebento benzo.") e "Boca vaga" ("Tala minúscula ala liqüidada./ Vem, cabra lírica, bé-berra branco. / Manquitola tola besta marcada.").
Mas talvez a melhor definição/ apresentação da poesia de André tenha sido dada por ele mesmo, no poema "por onde soa pessoa não há: há palavra": "tal que a língua atua a tua língua / e qual palavra atua a tua palavra; / então que pá cava tua aorta, / senão a sina de tua lavra?".



PassiFlora

Vestíbulo selvagem bluma
pele que dentes não conhecem.
A véspera das estrias
o sol em louça rígida
miola úmido enigma.

Sementeia pêndula, a redoma

(enruga na gaveta a matura
do fulvo melado para abrando)

bruta, é impossível despir em fatias.

*

Do parto, lembro...

Para Gilvan Procópio

Primeiro que nada
assim nasci: fiquei, antes,
deitado a meio túnel;

tão estreito era –
acordei nas luzes, foi dito –
que posto, enquanto deu, estive.

(O peso colocado – preciso
e necessário – entre tensão e dedos
apartando carne... suam no branco

os dentes mascarados. Vindo
da lâmina: o animal, roxo...
a pele o pelo a banguela o sexo o choro)

Escorri como corpo novo;
capacitei os gestos primos
e as vestes ao espanto

para não negar a tal matura
a sutura e o valor do corte.
– Já hora feita, pari-me. Ir, agora.

*

Inversões

Não fira a tola telha e não nos tolha
Na riste palma ou gesto de afago
Com flama mansa manejar escolha

Nunca vou de indo e vindo fico fido
Poeta Deus canhoto me fez gago
E sussurro em grito no seu ouvido

Leve, carregue de mim mais um trago
Verboso sussurrupio um estalido
Lido na lida e laboro no lido
Não vem troçar de mim senão me rasgo

Expurgando tal gosto vil do amargo
Abro o peito dentro já combalido
Porque te amo: por extenso, amplo e largo
Seu do meu tudo a pena ter valido

*

André de Freitas Sobrinho lançou, em parceria com Carolina Barreto, seu primeiro livro: Dois (não pares) (Anome Livros, 2008). O livro está à venda na Livraria A Terceira Margem ou pode ser adquirido diretamente com o autor no e-mail andrecapile@gmail.com

Outros textos de André no http://textoterritorio.pro.br/site

2 comentários:

  1. eu sou muito irado!

    o texto da laura só tem um problema: é simpático em excesso. =^P

    o problema de me caçarem em dicionário é o seguinte: eles não me acham.

    adoro graças de musiquinha, mas não abandono a logopéia!

    lutarei com as palavras... até o fim: pode ser vão, mas numa piscina com geléias e meninas, ui! deliça!

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  2. Não é tão simpático assim. Te chamei de hermético e inacessível. Não chora.

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