quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Poemas de Milton Rezende

FERIADO

Estou sentado, sozinho, na mesa de um bar, numa dessas noites perdidas. Lá fora a chuva impede-me de sair e eu fico observando este meu impedimento que na verdade é fuga a uma determinação que não tenho tido. Olho para a chuva e vejo a sua cortina de indiferença. A chuva escorre e a água correndo parece trazer-me uma espécie de nostalgia semelhante à náusea. A chuva forma com suas goteiras algo parecido com uma delimitação de espaços, de vivências, de ansiedade pura. Aqui dentro a vida que tenho tido como espaço permitido ao corpo. Lá fora a vida que eu poderia (talvez) ter se imperasse o sonho de estar além do espaço físico, como uma antevisão de um espaço neutro concernente à paz. Acrescento ainda que esta noite é de finados e a questão é transpor ou não o limite da porta.

*

OBSTÁCULOS

O homem
chega até
a vidraça
fechada
e observa
a chuva.

A chuva
chega até
o homem
fechado
e observa
a vidraça.

A vidraça
fica entre
universos
interpostos
e observa
a cena.

*

RETRATOS

No alto da estante,
numa única moldura,
guardava eu algumas
lembranças – eram três
fotografias sobrepostas.

São imagens recorrentes
de paixões vividas,
de casamentos desfeitos,
tanta coisa perdida
na trama de um tempo,
submergindo prognósticos.

Num meio de semana
veio uma chuva forte
e salpicou de goteiras
os meus livros, filmes
e os retratos na estante.

Quando eu fui perceber
as fotos estavam molhadas,
manchadas e dissolvidas.
Misturaram-se as nossas tintas.
A goteira fez o que não fizera
a vida.

*

Milton Rezende nasceu em Ervália (MG), na primavera de 1962. Escreve em prosa e poesia e a sua obra se divide entre inéditos e publicados. Entre estas últimas encontram-se: O acaso das manhãs (1986), Areia (à fragmentação da pedra) (1989), De São Sebastião dos Aflitos a Ervália – uma introdução (2006) e Uma escada que deságua no silêncio (2009). Possui inéditos os livros A magia e a arte dos cemitérios e Mais uma xícara de café, para os quais procura viabilidade editorial. Exemplares dos seus livros podem ser adquiridos diretamente com o autor através do e-mail: milton.rezende@yahoo.com.br

2 comentários:

  1. Parabéns, meu conterrâneo. Adorei os poemas.
    Saudades de Ervália, minha pequenina cidade grande!

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  2. Que orgulho...tamanha sutileza suas obras.
    Parabéns Milton

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